Neste ano comemoramos os 150 anos da segunda lei da termodinâmica. Foi em março de 1850 que Clausius publicou o enunciado dessa lei fundamental que marca o nascimento da ciência da termodinâmica. Um ano depois, Kelvin também anunciou a mesma lei, alcançada de forma endependente, apresentando-a com um enunciado distinto daquele de Clausius. Ambos atingiram seus resultados com base nos trabalhos de Carnot e Clapeyron sobre máquinas térmicas. Ainda hoje nos cursos de termodinâmica é comum apresentar os enunciados de Clausius e Kelvin e mostrar a equivalência entre eles.
A partir da segunda lei obtêm-se dois resultados fundamentais para a termodinâmica de equilíbrio: a) a definição da temperatura absoluta e da entropia, e b) o princípio de máxima entropia e a estabilidade termodinâmica. Esse último implica a convexidade dos potenciais termodinâmicos, conceito introduzido por Gibbs em 1876. Locamente, ele implica que a capacidade térmica não pode ser negativa, assim como outras grandezas relacionadas com a curvatura dos potenciais termodinâmicos tais como a compressibilidade. Outros resultados fundamentais são obtidos da segunda lei; talvez o mais importante deles seja aquele ligado à irreversibilidade que faz com que o tempo seja dotado de uma direção e que está relacionado com o aumento da entropia num processo espontâneo.
Apesar da origem termodinâmica da entropia, introduzida por Clausius em 1865, atualmente estamos mais acostumados com a interpretação estatística dela. Os primeiros passos na direção da interpretação estatística da termodinâmica foram dados por Maxwell em 1860 através de sua distribuição das velocidades das moléculas de um gás. A interpretação estatística da entropia, entretanto, foi introduzida por Boltzmann em 1872 que a relacionou com o número de estados microscópicos acessíveis, e foi generalizada por Gibbs em 1902. A noção de entropia como ligada ao número de estados acessíveis acabou sendo adotada em outras áreas, entre elas, a teoria da informação proposta por Shannon em 1948.
A segunda lei assim como a própria termodinâmica permaneceram inalteradas com o advento da física moderna nas primeiras décadas do século vinte. Com a introdução da moderna teoria das transições de fase e fenômenos críticos por Widom, Kadanoff, Griffiths, Fisher, Wilson e outros, nas décadas de 60 e 70, a termodinâmica também não precisou ser alterada. Na verdade esses cientistas, através do uso da mecânica estatística de equilíbrio, conseguiram fortalecer o suporte microscópico da termodinâmica de equilíbrio deduzindo o princípio da máxima entropia e mostrando que a entropia é uma grandeza convexa e extensiva no limite termodinâmico, isto é, quando as grandezas extensivas independentes crescem sem limites com as razões entre elas fixas.
A segunda lei da termodinâmica surgiu com dois enunciados. Ao longo da história da termodinâmica outros enunciados da mesma lei foram aparecendo. O próprio Clausius apresentou um enunciado cosmológico dizendo que a entropia do universo tende para um máximo. A forma dada por Carathéodory em 1909 para a segunda lei, embora interessante, revelou-se intratável e é raramente mencionada hoje em dia. Os livros-textos de termodinâmica adotados nos cursos de física em geral usam basicamente duas abordagens conforme a maneira de se enunciar a segunda lei: a) a maneira tradicional ou construtiva, que parte dos enunciados de Clausius e de Kelvin-Planck (e. g., Zemansky), e b) a abordagem formal que usa o princípio da máxima entropia como ponto de partida (e. g., Callen). Há ainda outras abordagens que não são estritamente termodinâmicas por usarem conceitos estatísticos (e. g., Kittel). As diversas formas de apresentação da mesma segunda lei refletem sem dúvida a sua vitalidade e o profundo impacto que ela teve e continua tendo no pensamento científico.
* Texto publicado originalmente no BIFUSP, Boletim Informativo do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em 24/03/2000.